PROVIMENTO N. 36, DE 1º DE JUNHO DE 2010.

  
Dispõe sobre lavratura de Escritura Pública de Declaração de Convivência de União Homoafetiva perante os Cartórios de Serviços Notariais.
 
 
O DESEMBARGADOR JOSUÉ DE OLIVEIRA, CORREGEDOR-GERAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE MATO GROSSO DO SUL, no uso de suas atribuições legais, nos termos dos arts. 51, § 2º e 58, inciso I, do Código de Organização e Divisão Judiciária.
CONSIDERANDO que a Constituição Federal estabelece o respeito a dignidade humana e a isonomia de todos perante a lei, sem distinções de qualquer natureza, inclusive de sexo, conforme os princípios explícitos no artigo 1º, inciso III, art. 5º, caput e inciso I;
CONSIDERANDO que o Código Civil no artigo 215 autoriza lavratura de escritura pública como documento dotado de fé pública para fazer prova plena;
CONSIDERANDO que os serviços de Notas e de Registro são responsáveis pela organização técnica e administrativa destinadas a garantir a publicidade, autenticidade, segurança e eficácia dos atos jurídicos;
CONSIDERANDO a necessidade de regular, disciplinar e uniformizar o procedimento a ser adotado pelos notários em relação as escrituras públicas de declaração de convivência e união homoafetiva;
CONSIDERANDO o parecer emitido e homologado nos autos n. 2010.960013-0.
 
RESOLVE:
 
Art. 1º Caberá aos Cartórios de Serviços Notariais do Estado lavrar escritura pública de declaração de convivência de união homoafetiva entre pessoas plenamente capazes, independente da identidade ou oposição de sexo;
Art. 2º A escritura será realizada como instrumento para os casais homoafetivos que vivam uma relação de fato duradoura, em comunhão afetiva, com ou sem compromisso patrimonial, legitimarem o relacionamento e comprovarem seus direitos, disciplinando a convivência de acordo com seus interesses;
Art. 3º A união afetiva pode ser reconhecida como entidade familiar, servindo como prova de dependência econômica, constituída para os efeitos administrativos de interesse comum perante a Previdência Social, Entidades Públicas e Privadas, Companhias de Seguro, Instituições Financeiras e Creditícias e outras similares;
Art. 4º Para a lavratura da escritura pública é livre a escolha do tabelião de notas, não se aplicando as regras de competência do Código de Processo Civil;
Art. 5º Recomenda-se que o tabelião disponibilize uma sala ou um ambiente reservado e discreto para atendimento das partes;
Art. 6º As partes devem declarar ao tabelião, no ato da lavratura da escritura, que são absolutamente capazes, indicando seus nomes e as datas de nascimento, e que não são casadas;
Art. 7º Na lavratura da escritura deverão ser apresentados os seguintes documentos:
I- documento de identidade oficial e CPF das partes;
II- certidão de nascimento ou de casamento averbada a separação judicial ou divórcio;
III- certidão de propriedade de bens imóveis e direitos a eles relativos;
IV- documentos necessários à comprovação da titularidade dos bens móveis e direitos se houver, bem como de semoventes;
Art. 8º Os documentos apresentados no ato da lavratura da escritura devem ser originais ou em cópias autenticadas, salvo os de identidade das partes, que sempre serão originais;
Art. 9º Cópia dos documentos apresentados serão arquivados em classificador próprio de documentos de escrituras públicas de declaração de convivência de união homoafetiva;
Parágrafo único: Quando microfilmados ou gravados por processo eletrônico de imagens, não subsiste a obrigatoriedade de conservação no tabelionato;
Art. 10. A escritura publica deverá fazer menção aos documentos apresentados e ao seu arquivamento, microfilmagem ou gravação por processo eletrônico;
Art. 11. Havendo bens, distinguir-se-á o patrimônio individual de cada um e o patrimônio comum das partes, podendo os declarantes estabelecerem acerca daqueles bens que forem adquiridos como acréscimos principal na constância da convivência, a exemplo das aquisições de imóveis, móveis, direitos, créditos, ações, investimentos, e que ficarão na esfera patrimonial comum, susceptíveis de comunicação e divisão;
Art. 12. Havendo transmissão de propriedade do patrimônio individual de um convivente ao outro deverá ser comprovado o recolhimento do tributo devido sobre a fração transferida;
Art. 13. Quanto aos bens, recomenda-se:
I - se imóveis, prova de domínio por certidão de propriedade atualizada;
II - se imóvel urbano, basta menção a sua localização e ao número da matrícula (art. 2º da Lei n. 7.433/85);
III - se imóvel rural, descrever e caracterizar tal como constar no registro imobiliário, havendo, ainda, necessidade de apresentação e menção na escritura do Certificado de Cadastro do INCRA e da prova de quitação do imposto territorial rural, relativo aos últimos cinco anos (art. 22, §§2º e 3º, da Lei 4.947/66);
IV - em caso de imóvel descaracterizado na matrícula, por desmembramento ou expropriação parcial, o Tabelião deve recomendar a prévia apuração do remanescente;
V - quanto imóvel com construção ou aumento de área construída sem prévia averbação no registro imobiliário, é recomendável a apresentação de documento comprobatório expedido pela Prefeitura e, se o caso, CND-INSS, para partilha;
VI - em caso de imóvel demolido, com alteração de cadastro de contribuinte, de número do prédio, de nome de rua, mencionar no título a situação antiga e a atual, mediante apresentação do respectivo comprovante;
VII - se móvel, apresentar documento comprobatório de domínio e valor, se houver. Descrevê-los com os sinais característicos;
VIII - com relação aos direitos e posse deve haver precisa indicação quanto à sua natureza, além de determinados e especificados;
IX - semoventes serão indicados em número, espécies, marcas e sinais distintivos;
X - dinheiro, jóias, objetos de metais e pedras preciosos serão indicados com especificação da qualidade, peso e importância;
XI - ações e títulos também devem ter as devidas especificações;
a) dívidas ativas especificadas, inclusive com menção às datas, títulos, origem da obrigação, nomes dos credores e devedores;
b) ônus incidentes sobre os imóveis não constituem impedimento para lavratura da escritura pública;
c) débitos tributários municipais e da receita federal (certidões positivas fiscais municipais ou federais) impedem a lavratura da escritura pública;
d) a cada bem patrimonial deverá constar o respectivo valor atribuído pelas partes, além do valor venal quando imóveis ou de pauta quando móveis;
Art. 14. O recolhimento dos tributos incidentes deve anteceder a lavratura da escritura;
Art. 15. Deve haver o arquivamento de certidão ou outro documento emitido pelo fisco, comprovando a regularidade do recolhimento do imposto, fazendo-se expressa indicação a respeito na escritura;
Art. 16. A gratuidade por assistência judiciária em escritura pública não isenta a parte do recolhimento de imposto de transmissão, que tem legislação própria a respeito do tema;
Art. 17. Na escritura pública deve constar que as partes foram orientadas sobre a necessidade de apresentação de seu traslado no registro de imóveis da situação do imóvel para as averbações devidas;
Art. 18. Por não haver restrição na aquisição, por sucessão, de imóvel rural por estrangeiro (artigo 2º da Lei n. 5.709/71), desnecessária autorização do INCRA para lavratura de escritura pública de declaração de convivência de união homoafetiva envolvendo tais bens, salvo quando o imóvel estiver situado em área considerada indispensável à segurança nacional, que depende do assentimento prévio do Congresso Nacional (§ 2º do artigo 23 da Lei n. 8.629/93);
Art. 19. Se um dos contratantes possuir herdeiros, deverão ser obedecidas as limitações quanto à disposição dos bens segundo as normas pertinentes;
Art. 20. No corpo da escritura deve haver menção de que “ficam ressalvados eventuais erros, omissões ou os direitos de terceiros”, não admitindo estipulações que possam ferir normas de direito público e direitos alheios;
Art. 21. É vedada a lavratura de escritura pública de declaração de convivência de união homoafetiva referente a bens localizados no exterior;
Art. 22. Não há sigilo no ato de lavratura das escrituras de que trata este provimento.
Art. 23. O tabelião poderá negar a lavrar a escritura pública de declaração de convivência de união homoafetiva se houver fundados indícios de prejuízo ou em caso de dúvidas sobre a declaração de vontade, fundamentando a recusa por escrito.
Art. 24. O valor dos emolumentos deverá corresponder ao efetivo custo e à adequada e suficiente remuneração dos serviços prestados, conforme estabelecido no parágrafo único do art. 1º da Lei n. 10.169/2000, observando-se, quanto a sua fixação, as regras previstas no art. 2º da citada lei;
Art. 25. É vedada a fixação de emolumentos em percentual incidente sobre o valor do negócio jurídico objeto dos serviços notariais e de registro (Lei n. 10.169, de 2000, art. 3°, inciso II);
Art. 26. A escritura pública pode ser retificada desde que haja o consentimento de todos os interessados;
Art. 27. Os erros materiais poderão ser corrigidos, de ofício ou mediante requerimento de qualquer das partes, por averbação à margem do ato notarial ou, não havendo espaço, por escrituração própria lançada no livro das escrituras públicas e anotação remissiva;
Art. 28. Apenas podem ser considerados como erros materiais:
a) omissão ou erro cometido na transposição de qualquer elemento dos documentos apresentados para lavratura da escritura que constem arquivados, microfilmados ou gravados por processo eletrônico na serventia;
b) correção de mero cálculo matemático;
c) correção de dados referentes à descrição e caracterização de bens individuados na escritura;
d) inserção ou modificação dos dados de qualificação pessoal das partes, comprovada por documentos oficiais, ou mediante determinação judicial quando houver necessidade de produção de outras provas.
Art. 29.Este provimento entra em vigor na data de sua publicação.
 
Campo Grande-MS, 1º de junho de 2010.
Desembargador Josué de Oliveira
Corregedor-Geral de Justiça.
 
 
DJ-MS-10(2211):2-3, 9.6.10.