Voltar Mãe solo, Mariza começou servindo café até conquistar o “improvável” para ela e o filho

26/07/2021 12:00 1258 visualizações
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Há mais de quatro décadas trabalhando ininterruptamente no Poder Judiciário de Mato Grosso do Sul, a história da servidora Mariza dos Santos Gonçalves, de 66 anos de idade, começou no ano de 1978, quando tomou posse no cargo de zeladora do Fórum da comarca de Amambai, ainda pertencente ao Estado de Mato Grosso na época. E lá se vão 42 anos de atuação, boa parte deles em Dourados, onde mora atualmente.

Mãe solo, seu filho tinha apenas 4 anos quando ela iniciou sua carreira no Fórum de Amambai. Passou em 1º lugar no concurso e só tinha uma vaga. O serviço era preparar e servir o café, além da limpeza do prédio. Mas sobrava muito tempo, conta ela, que aproveitava para auxiliar os colegas em outras atividades. “Como eu tinha a letra muito bonita, eu escrevia o termo de posse dos juízes e promotores, ajudava no cartório eleitoral” e assim foi se inteirando de diversas outras tarefas.

Naquela época, a sede do Tribunal de Justiça era em Cuiabá. “Eu sei que meu contracheque vinha de lá e tínhamos que entrar na fila, no setor de Exatoria, para receber o cheque do pagamento do mês”, o qual Mariza descontava na boca do caixa no banco. “Eu nem tinha conta na época. Depois de um tempo que veio a ordem para abrir uma conta bancária e o salário passou a ser depositado lá”, recorda.

Durante 7 anos, sua rotina em Amambai incluía, além do café e limpeza, o auxílio no que era preciso. Até que veio o concurso para escrevente e um episódio marcante para ela: a juíza diretora do Foro na época indagou se a zeladora havia se inscrito para o certame. Com apenas o 4o ano do ensino fundamental e sem dinheiro para inscrição, ela recebeu o incentivo da magistrada, que explicou sobre a possibilidade legal dela prestar as provas. E não se limitou a isso: a juíza pagou sua inscrição e lhe emprestou todos os livros.

Com a oportunidade na mão, mesmo estudando em casa, sozinha, enquanto muitos de seus colegas estavam em grupos e faziam aulas com professores particulares, ela conquistou o 4o lugar num total de 5 vagas disponíveis.

No dia 3 de abril de 1985 pediu exoneração do cargo de zeladora e assumiu o novo posto, indo trabalhar na direção do Fórum, na parte de contabilidade, cálculo de pena e assim por diante. “O Juiz Diretor na época era o doutor Odemilson Fassa, hoje Desembargador. Ele dizia que eu era polivalente, o que me ensinavam eu aprendia rápido, e assim fiz de tudo um pouco, menos trabalhar no cartório”.

Aquela Juíza Diretora que tanto lhe ajudou foi embora da comarca antes de ver o êxito dela e do filho de Mariza, a quem também auxiliou. Era a pessoa de Elizabeth Tae Kinashi, hoje juíza aposentada. Mas Mariza não esqueceu de todo apoio recebido e, cerca de 20 anos depois, localizou a incentivadora no interior do Paraná. “Consegui o contato dela para lhe agradecer, dizer que tinha dado tudo certo. Inclusive disse que meu filho havia se formado em Direito, passado aos 23 anos no concurso para Defensor Público do Mato Grosso, e hoje, afastado da profissão, é um advogado de sucesso”.

E foi para garantir o sonho do filho que no ano de 1995 ela se transferiu para a comarca de Dourados. O filho foi na frente, cursou dois anos da faculdade, chegou carregado de doações de livros de juízes, promotores e defensores de Amambai, e arrumou emprego com o auxílio da mãe para ajudar a pagar a faculdade. A mãe conseguiu meia bolsa com a Secretaria de Educação e saiu da casa dos pais rumo a segunda maior cidade do Estado.

“Eu não tinha nada na época. Foi então que meu irmão me deu quatro novilhas e com o dinheiro da venda consegui comprar e dar entrada no básico como sofá, fogão e cama”, lembra do recomeço.

Em Dourados, foi trabalhar na 7a Vara Cível de Execução Fiscal, onde ficou por 11 anos até pedir para sair. Passou pela Controladoria de Mandados e Direção do Fórum e no Posto de Atendimento ao Cidadão (PAC), onde atuou até o início da pandemia. Com o setor sem atendimento presencial temporariamente, retornou para a 7a Vara Cível, em trabalho remoto, onde cumpre seu expediente atualmente.

Em termos de satisfação pessoal, Mariza conta que foi no PAC que percebeu a relevância de seu trabalho para o público, o qual fazia questão de ser atendido por ela. “Até hoje me ligam. Eu acredito que é reflexo do bom serviço que eu prestava. Sempre busquei auxiliar até onde pude todos os que me procuravam. E fiz um trabalho muito legal também com as mães solteiras, para averiguação de paternidade, para que elas incluíssem o nome dos pais nas certidões, convidando os pais a virem até o Fórum oficializar o registro. Antes do PAC, aliás, eu era uma servidora muito quietinha, foi depois dele que me tornei falante”.

Com o impasse do fechamento do PAC por conta da pandemia, ela pensou em aposentar, mas não queria deixar o Judiciário dessa forma. Então, uma antiga colega lhe chamou novamente para a 7a Vara Cível, muito mudou, ela teve receio, mas foi aprendendo o serviço aos poucos. “Acredito que até o final do ano eu me aposento e daí vou cuidar um pouco de mim”.

E os tempos difíceis ficaram no passado. Nesse ano, ela mudou para sua casa própria, “um sobradinho muito bom, presente do meu filho”. O carro velho também foi substituído por um novo, adquirido pelo filho também. “Depois que ele se formou, logo passou no concurso e foi para Cuiabá”.

Conta ainda honrada que “foi difícil no começo, éramos de uma família muito pobre. O ensino fundamental dele foi na escola pública. Já o ensino médio eu paguei, com esforço, o colégio particular, depois veio a faculdade particular. Não sabia se conseguiríamos, mas meu filho dizia: ‘se eu não estudar, a vida vai ser essa’. E ele já me prestou duas homenagens, uma delas quando estava realizando um júri em Amambai e, recentemente, por videoconferência, quando estava fazendo sustentação oral no TJMS com os Desembargadores Zaloar Martins de Souza e Dileta Terezinha Thomaz, ambos com os quais já trabalhei em Dourados. Não sei como ele combinou, só sei que os dois magistrados iniciaram suas falas me homenageando, pedindo licença ao ilustre advogado para se dirigir à mãe dele e parabenizá-la pelos serviços prestados e pelo filho formado”.

Autor da notícia: Secretaria de Comunicação - imprensa@tjms.jus.br