Entrevista: Des. Ruy Celso Barbosa Florence fala sobre mediação

31/05/2021 08:00 206 visualizações

No ar com a campanha "Vamos fazer um acordo?", o Núcleo Permanente de Métodos Consensuais de Solução de Conflitos (Nupemec) do TJMS está propondo uma mobilização para que as pessoas busquem resolver seus conflitos por vias alternativas. Para esclarecer sobre a mediação, o coordenador do tema no Nupemec, Des. Ruy Celso Barbosa Florence, concedeu entrevista à Secretaria de Comunicação do TJ.

SCom – Desembargador, em que a mediação difere da conciliação?

Des. Ruy Celso – A mediação normalmente é utilizada entre pessoas que têm algum relacionamento interpessoal em razão de trabalho, família, vizinhança, sociedade etc. Ou seja, um relacionamento que tenha uma certa continuidade entre as partes. Veja bem, nas questões familiares a mediação quase sempre atende mais o interesse das partes do que uma sentença judicial. São os envolvidos que melhor conhecem as razões do conflito e, em comum acordo, incentivados e orientados por técnicas autocompositivas podem alcançar a resolução do problema da melhor maneira para todos, sem rompimento dos vínculos familiares. O mesmo se dá com questões de vizinhança, urbana ou rural, onde a conexão entre os vizinhos só terminará se um deles se mudar. E quantas vezes questões dessa espécie terminam até em tragédia, pois certos tipos de situações a justiça pode até estancar ou paralisar através de uma decisão, mas solução mesmo só os envolvidos conseguem encontrar. A mediação serve mais para essas situações, onde de uma forma ou de outra as pessoas vão continuar convivendo ou pelo menos se encontrando.

Na conciliação as pessoas não necessariamente precisam possuir um relacionamento mais duradouro. Normalmente se busca resolver situações pontuais. Um caso, por exemplo, de defeito no produto comprado ou de serviço mal feito, a conciliação se mostra suficiente para resolver o problema. Então é uma coisa mais rápida e também não se preocupa muito com o posterior, desde que aquela situação seja resolvida ali.

SCom – Como funciona a mediação?

Des. Ruy Celso – Nós temos dois tipos de mediação: a pré-processual, antes de ter qualquer processo na justiça, e a mediação processual, quando o processo já está judicializado, alguém já entrou com alguma ação. Na pré-processual, a pessoa pode procurar um Centro Judiciário de Solução de Conflitos (Cejuscs) ou uma Câmara Privada de Soluções de Conflitos. Hoje nós temos Cejusc no Tribunal de Justiça, na Associação Comercial, no Nupemec, na Defensoria Pública, além de algumas comarcas do interior. As Câmaras Privadas podem ser encontradas na internet ou entrando em contato com um Cejusc.

A pessoa pode ter acesso pelo telefone, WhatsApp, ou, fora do período de pandemia, ir ao local pessoalmente e falar: olha, eu tenho um caso assim e eu gostaria de fazer uma mediação. O servidor do Cejusc vai anotar o caso, convidar a parte contrária a participar, em data e hora marcadas, para uma mediação sobre o assunto. No dia da sessão haverá um mediador capacitado, que colocará perguntas para as partes, nunca dizendo a elas o que devem fazer. Essa é a pré-processual, que não precisa de um advogado.

Na mediação processual, a parte pode a qualquer momento requerer ao juiz que ele determine uma sessão mediação, então o cartório encaminha o processo para que seja mediado. Independente desse requerimento, quando começa o processo, o juiz já o encaminha para que o Nupemec marque uma audiência de mediação ou conciliação e a parte contrária é convidada e obrigada a comparecer. Como a questão já está na justiça, as duas partes então deverão estar acompanhadas de advogado. Se uma das partes não tiver, o mediador mesmo, ou o próprio juiz, vai nomear então um defensor público para acompanhar a sessão.

SCom – Quanto tempo costuma levar uma sessão de mediação?

Des. Ruy Celso – Cada sessão de mediação pode ter cerca de uma hora e meia, mas dependendo do caso, o mediador pode marcar quantas sessões forem necessárias. Enquanto ele perceber que há viabilidade de se chegar a uma mediação realmente, um acordo final, ele pode marcar várias mediações. Então o tempo não existe, depende de cada caso. O tempo que nós combinamos hoje em Campo Grande é de 40 minutos, embora o CNJ fale em uma hora e meia. Não são todos os casos que precisam de tanto tempo. Mas já tivemos casos que exigiram duas, três, quatro sessões de uma hora e meia.

SCom – Quem são os mediadores? Qual o perfil desse profissional e como eles atuam?

Des. Ruy Celso – Os mediadores são bacharéis em direito ou formados em algum outro curso superior, capacitados pelo Tribunal de Justiça, na teoria e na prática, com todas as técnicas sobre o tema, sob orientação de um professor habilitado. Após a capacitação eles são acompanhados e depois disso recebem então um certificado de mediador.

O mediador tem o dever de respeitar o princípio da confidencialidade. Ou seja, tudo que se passa durante a sessão de mediação deve ser mantido sob sigilo, e caso esse sigilo seja desrespeitado o mediador poderá responder civil e criminalmente sobre o seu ato. Muito menos ao juiz o mediador pode informar sobre o que disseram as partes durante a sessão, pois do contrário poderia influenciar na decisão judicial final caso o acordo não ocorra.

Então a confidencialidade é necessária. E em uma abertura de mediação é isso que acontece. O mediador explica para as partes que elas podem ficar tranquilas e que ele também não vai interferir, só aplicara as técnicas de perguntas e tentará observar onde está o problema. Cabe ao mediador conseguir verificar onde está realmente o problema e essas técnicas ele aprende no curso.

SCom – Qual tem sido o volume, desembargador? Tem ocorrido muitas mediações?

Des. Ruy Celso – Ainda há uma resistência grande da sociedade, talvez por falta de conhecimento. Isso diminui um pouco o número de casos, mas o volume tem aumentado gradativamente. Aquelas pessoas que obtiveram bons resultados já estão falando para outras, mas há sempre uma resistência. A pessoa fica desconfiada de uma coisa que ela não precisa desconfiar. O mediador não vai julgar nada, não vai dar palpite em nada, não vai ficar do lado de ninguém. Essa é a situação.

E nós temos também as Câmaras Privadas, não só o Tribunal oferece o serviço. Em Campo Grande temos três câmaras privadas, que são pessoas que já foram capacitadas e montaram seus escritórios de mediação e conciliação. Nessa situação tem um custo, mas é um custo pequeno. Muito mais barato que um processo judicial. E qual a vantagem de uma Câmara Privada? Às vezes o conforto, a disponibilidade. Você marca em uma Câmara Privada hoje e a mediação é daqui uma semana. O nosso agendamento demora um mês, mais ou menos. Então tem tudo isso, a pessoa se sente mais confortável em um lugar mais isolado, com todos os atendimentos, e é um custo mínimo. Essas câmaras privadas vão dar certo, prestando um grande serviço à justiça também.

SCom – Para finalizar, qual a defesa que o senhor faz da mediação?

Des. Ruy Celso – A defesa que eu faço é pela celeridade, finalização do problema, já que a justiça, quando julga o processo, estanca aquela situação, mas ela nem sempre a resolve o problema. Sobra às vezes a raiva, a decepção, que não é bem aquilo que a pessoa queria. Na mediação não. Nela a tendência é de mais de 90% dos casos realmente serrem resolvidos para sempre. Ou, se não para sempre, pelo menos por um bom tempo, um longo período e as pessoas podem voltar a fazer mediação novamente sobre o mesmo assunto. Essa é a vantagem e eu defendo a mediação por isso.

Lembro que todo acordo a que as partes chegarem será homologado por um juiz de direito, valendo tal documento igual a uma sentença judicial.

Autor da notícia: Secretaria de Comunicação - imprensa@tjms.jus.br