Há 23 anos Projeto Padrinho é plano B para quem está acolhido

28/06/2023 13:41 533 visualizações
S.B é uma adolescente sorridente de 17 anos, acolhida desde os 14 anos. As chances de adoção para quem está tão próximo de completar a maioridade são muito pequenas. Ela vive em uma casa de acolhimento em Campo Grande, estuda pela manhã e a tarde é jovem aprendiz por meio convênio do Tribunal de Justiça de MS com o CIEE, trabalhando no setor do Projeto Padrinho, no Fórum de Campo Grande. 

Quando chegou no acolhimento, a menina não sabia ler. Apesar de retomar os estudos no 5º ano, ela não tinha dominado a alfabetização. Não possuía documentos pessoais, estava à margem de exercer sua cidadania, além de ter muitos de seus direitos como adolescente, previstos no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), negligenciados. 

Morou com avós paternos, maternos, pai, mãe, tios e por diversas casas de sua família biológica até que o poder público constatou que sua situação era mais um caso em que, infelizmente, as condições a qual estava submetida culminaram com a intervenção do Estado e seu acolhimento institucional. 

Pensando em ser um plano B, sobretudo para aqueles que estão em faixas etárias na pré-adolescência e adolescência, ou que permanecem por muito tempo acolhidas foi que surgiu, há 23 anos, o Projeto Padrinho. A iniciativa pioneira foi criada visando aproximar a sociedade da realidade de crianças, adolescentes e famílias carentes para sensibilizá-la a se mobilizar em favor desse grupo social, oportunizando o retorno ao convívio familiar e priorizando a manutenção dos vínculos estabelecidos. 

O objetivo era garantir que crianças e adolescentes que estão em casas de acolhimento tenham acesso a tudo o que o ECA prevê, como convívio em ambiente familiar, saúde, educação, lazer, apoio socioemocional, orientação e formação pessoal e tudo o mais necessário para se tornar um cidadão pleno de seus direitos, capaz de exercer uma profissão, constituir família, conquistar sua moradia, etc.

Os padrinhos desempenhavam o papel como o significado do termo: aqueles que se comprometem a auxiliar na formação de um indivíduo. Quando apadrinhada na modalidade afetiva, a criança deixa a instituição de acolhimento aos finais de semana para conviver com os padrinhos, os quais, dão suporte emocional, afetivo, espiritual e tudo mais que, na falta de uma família biológica ou adotiva, o Projeto Padrinho tenta suprir.

A ação foi pioneira no país e cresceu para outras modalidades de apadrinhamento, como o padrinho financeiro e prestador de serviço. Hoje, há uma rede de apoiadores que são acionados de acordo com as demandas, como tratamento odontológico, consultas médicas, exames, tratamento com fonoaudiólogo, psicólogo, reforço escolar, curso de formação e preparação para o mercado de trabalho. 

Muitas vezes, o adolescente completa a maioridade, deixa a casa de acolhimento e continua com o apoio dos padrinhos que conheceu por meio do projeto do TJMS. São eles que o auxiliam muitas vezes na faculdade. Para outros casos, a própria coordenação do Projeto Padrinho realiza uma união de esforços para conseguir uma vaga no mercado de trabalho, alugar uma casa, comprar móveis e eletrodomésticos. 

Há oito anos a frente do Projeto Padrinho na capital, a servidora Andrea Espíndola Alvarenga Cardozo conta que o apadrinhamento afetivo concentra-se em adolescentes e pré-adolescentes. Hoje, são 10 adolescentes em Campo Grande, a partir de 14 anos, que possuem padrinhos afetivos. O projeto é vinculado a Vara da Infância, da Adolescência e do Idoso, e a indicação de quem está apto a ser apadrinhado vem por determinação da juíza titular da vara, Katy Braun do Prado. A partir deste momento há um trabalho para quem foi capacitado e a aproximação entre eles. 

Entre os bons resultados obtidos pela atuação do Projeto Padrinho, a servidora relata o caso de jovem que era aprendiz do Hospital da Cassems e hoje é funcionária do hospital. Atualmente, ela mora com uma funcionária da casa de acolhimento e o Projeto auxiliou a montar o local para elas. 

Outra jovem começou como aprendiz, por meio do Projeto Padrinho, como frente de caixa do Comper e atualmente está empregada pela rede de supermercados, trabalhando no setor administrativo da empresa. 

A servidora também relata o caso de uma madrinha que matriculou adolescente acolhida na Escola Adventista e depois, vendo o potencial da menina, a escola oportunizou internato e trabalho. A jovem se formou em faculdade da rede e hoje mora no Paraná, onde constituiu família. E a madrinha continuou acompanhando os estudos e auxiliando nos custos mesmo após a maioridade.

Outra situação que mobiliza muitos esforços do Projeto Padrinho são as crianças acolhidas que possuem doenças graves e necessitam de muitos atendimentos que não podem esperar a fila do SUS. Como “criança não pode esperar”, o apadrinhamento financeiro e de voluntários possibilita os atendimentos necessários e mais urgentes de que necessitam. 

Pelo Projeto Padrinho, atividades culturais e de lazer são oferecidas aos acolhidos. Todas as casas de acolhimento já visitaram o Bioparque do Pantanal, por exemplo, fazem passeios, vão ao cinema. Além disso, o Projeto Padrinho mobiliza ações em datas festivas como Páscoa e Natal, grupos de teatro que visitam as casas – tudo graças às parcerias firmadas. 

Aliás, a grande rede de apoio hoje em funcionamento em Campo Grande e em todo o interior do Estado surgiu a partir da iniciativa da então juíza da 1ª Vara da Infância e da Juventude da Capital, Maria Isabel de Matos Rocha, hoje desembargadora aposentada.

A proposta de apadrinhar, de diferentes formas, crianças e adolescentes das instituições de acolhimento foi pioneira no país e atualmente está oficialmente legalizada pelo ECA, em seu artigo 19-B, incluído pela Lei nº 13.509/2017, o qual estabelece que a criança e o adolescente em programa de acolhimento institucional ou familiar poderão participar de programa de apadrinhamento.

Conforme destaca Andrea, a lei prevê que o apadrinhamento é um plano B. “O Projeto Padrinho começou com a juíza Maria Isabel, quando isso não existia na lei, no ECA e no Brasil. A magistrada pensou nisso, pois não eram todas as crianças acolhidas que iam para a adoção e, enquanto aguardavam, não tinham o que o ECA prevê, que é a convivência comunitária com pessoas da comunidade, sair do acolhimento para conhecer a família de outra forma, que não a família biológica ou a adotiva”, disse ela.

No entender da então juíza Maria Isabel, ressalta Andrea, aqueles que não tinham possibilidade de reintegração e aguardavam muito tempo no acolhimento por adoção, teriam uma nova opção com o Projeto Padrinho. “A magistrada pensou no plano B para eles, ao incluir esse grupo de pessoas na figura de padrinhos, que poderiam se cadastrar na vara e serem colaboradores afetivos destas crianças. A iniciativa deu muito certo e é modelo para todo o país”, concluiu. 

Saiba mais – Existem diferentes opções de apadrinhamento: padrinho afetivo, financeiro, doador de material e prestador de serviço. 

Para ser um padrinho afetivo é necessário realizar o Curso Preparatório para Apadrinhamento, visando capacitar novos voluntários na modalidade de apadrinhamento afetivo. A participação é um dos pré-requisitos para os interessados nessa modalidade de apadrinhamento.

Entidades, empresas, escolas, cursos profissionalizantes e técnicos que desejarem proporcionar melhoria na qualidade de vida de crianças e adolescentes são bem-vindos para se unir ao Projeto Padrinho. 

Mais informações podem ser obtidas pelo telefone 3317-3512.
Autor da notícia: Secretaria de Comunicação - imprensa@tjms.jus.br